"Tenho como minha obrigação
profissional estar acima do público que me freqüenta. Não posso, como
profissional, oferecer ao público que me freqüenta uma criação que ele se
julgue também capaz de realizar. Seria o mesmo que o fabricante de cadeiras me
oferecer uma cadeira feita com três ripas malpregadas, mal-alinhadas e
mal-envernizadas e me cobrasse por isso um preço profissional. No campo viril
do artesanato isso é impossível, pelo menos a esse ponto absurdo, e pelo menos
em larga escala. Uma cadeira comprada será sempre muito melhor do que a que
conseguimos fazer em casa com nossas parcas habilidades e ferramentas. E, no
entanto, sem sombra de dignidade profissional, artistas, jornalistas e, sobretudo,
‘produtores’ de televisão (falo muito destes e não canso de me referir a eles,
pois esses homens têm na mão um meio de divulgação da mais extrema potência)
não têm vergonha de apresentar ao público espetáculos degradantes como caráter,
humilhantes como representação geral do nível artístico do país em que vivemos
e perigosíssimos no sentido de que uma massa de estupidez muito grande acaba
embotando mesmo o potencial de inteligência mais privilegiado."
Millôr Fernandes, 1962, Introdução a "Um Elefante no Caos".